sexta-feira, 26 de setembro de 2008

Joy Division - Grant Gee (2 Outubro, 21h30m, AMAC)


Uma das mais agradáveis coincidências da edição deste ano do Festival Internacional de Cinema de Toronto foi a existência, não de um, mas de dois filmes sobre o tempo e o legado musical da banda de Manchester, Joy Division.
O primeiro – Control de Anton Corbjin, que eu já tinha visto em Cannes – assume um registo biográfico do falecido vocalista da banda, Ian Curtis. O outro filme – simplesmente intitulado Joy Division – é um documentário assente na génese e influências da banda, estendendo-se pelas suas vitórias e batalhas. Realizado por Grant Gee (Radiohead: Meeting People is Easy), Joy Division pode, num primeiro momento, não se revelar tão impressionante quanto o filme de Corbjin – com a sua fotografia a preto e branco e com a interpretação de Sam Riley no papel de Ian Curtis – mas é igualmente estimulante.
Nascida na cidade industrial de Manchester, a Joy Division representa, de forma impar, um ponto de viragem na música popular: quando o Punk deu lugar ao pós-punk e quando a raiva deu lugar à angústia.
Formada por Bernard Stumner, Peter Hook, Stephen Morris e Ian Curtis, a Joy Divisions lançou apenas dois álbuns antes do suicídio do seu vocalista; mas a tragédia não é o único factor a transformar a curta discografia da Joy Division numa lenda.
Efectivamente, a apresentação que Grant Gee faz dessa lenda resulta, desde logo, numa enorme demonstração da sua técnica – construído como uma colagem de factos aparentemente aleatórios e de circunstância efémeras, o filme transforma-se numa visão panorâmica e de fácil leitura.
Por exemplo, para demonstrar quantas bandas interpretaram versões do single seminal da Joy Division “Love Will Tear Us Apart”, Grant Gee mostra-nos … uma imagem do motor de busca do iTunes. E se esta estratégia, assim descrita, pode parecer enfadonha, deselegante ou crua, o que é facto é que, pelo contrário, resulta perfeitamente – dando-nos uma ideia precisa não só do lugar que a Joy Division ocupa no coração dos seus fãs, mas, igualmente, mostrando-nos num relance o quanto mudou a industria da música desde os dias da produção, quase artesanal, dos singles de 7 polegadas e do trabalho de recorte e colagem na execução de capas (trabalho que, graças ao filme de Grant Gee, também vemos).
Joy Division traz-nos muitos momentos de entrevista com Stumner, Hook e Morris e menos momentos, ainda que tão importantes quanto aqueles, de relacionamento humano. Entre os outros participante no filme contamos com o entretanto falecido Tony Wilson (talvez mais conhecido pela sua intervenção ficcionada no filme de Michael WinterBottom “24 Hour Party People”), com personagens menores da cena rock ou com Annik Honoré, amiga e amante de Ian Curtis. Contudo, o filme regressa sempre a Stumner, Hook e Morris. E bem, até porque eles estiveram lá!
O filme de Grant Gee vai, no mais, progredindo entre alguns tópicos centrais: a obra de William S. Burroughs, a paisagem industrial e pós-guerra de Manchester (Stumner: Eu acho que nunca tinha visto uma árvore até por volta dos 9 anos), a origem da celebre capa do album Unknown Pleasures ou as poses fugazes e vigorosas do punk. E, também aqui, faz bem. A Joy Division progrediu da mesma forma.
E em todo este trabalho Grant Gee consegue manter um equilíbrio notável – deitando informação em cima de mais informação, cortando através de entrevistados, alternando antigas imagens de televisão com fotografias actuais dos locais onde se situaram os mais importantes clubes de Manchester (fotografias numeradas e catalogadas como “Coisas Que Lá Não Estão”) – conseguindo mostrar-nos a Manchester de agora, a de então e mesmo a da Segunda Grande Guerra (respigando noticias da Grande Guerra, velhos filmes caseiros e fotografias).
O passado e o presente tornam-se então, em alguns momentos, mais fluidos do que durante o resto do filme, lembrando memórias, sonhos ou boas canções pop.
Vemos ainda a New Order, banda sob cuja égide Stumner, Hooke e Morris continuaram o seu trabalho, interpretando uma canção da Joy Division (o que, segundo eles, não fizeram nos 18 anos subsequentes ao falecimento de Ian Curtis) sobreposta à mesma música interpretada pelo alinhamento original daquela banda.
Uma vez mais não devia resultar. Mas resulta! Na Perfeição!
Joy Division, mais do que um requiem, é uma celebração: um olhar denso, rico e excitante sobre a banda que ajudou a moderna música pop a ser verdadeiramente moderna.

Texto de James Rocchi em www.cinematical.com

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