terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Os Fragmentos de Tracey - Bruce McDonald (11 Dezembro, 21h30, AMAC)


Invulgar, antes de mais, pela forma, Os Fragmentos de Tracey é a primeira longa-metragem filmada integralmente em composição multiframe Mondrian. Quem estiver familiarizado com a obra do pintor holandês Piet Mondrian entenderá qual o tipo de interactividade que as técnicas de visualização desde programa informático facultam quando aplicadas à montagem de um filme. Em constante split screen, Os Fragmentos de Tracey parece mais um graphic novel do que Sin City.

Realizador televisivo por excelência, Bruce McDonald filmou os actores em 14 dias, mas levou nove meses a montar a dispersão emocional da protagonista, espelhando-a na tela como se fosse o mosaico de uma psique estilhaçada, cada parcela do ecrã a captar diferentes porções da mesma realidade, cada uma delas passível de interpretação e análise. A técnica é agora muito mais avançada, mas não há dúvida de que Peter Greenaway era, já em 1991, percursor deste tipo de combinação de imagens, colocando pequenas janelas dentro da tela grande, de modo a propor segundas leituras ou aconchegar as primeiras. Bruce McDonald não desmerece, filmando paisagens frias e pessoas cruas e diluindo-as em centenas de peças de um puzzle que constrói com cuidado e uma atenção dedicada aos pormenores. A sensação óptica de saturação é imediata, tal é a quantidade de pontos para onde é pedido que se olhe, mas a mesma torna-se suportável ao longo da película, ao ponto de até parecer a mais adequada forma de revelar todas as preocupações, reais e fantásticas, que conflituam na cabeça da contraditória protagonista.

Novelista e dramaturga canadiana, Maureen Medved adaptou para o cinema o seu próprio livro sobre uma adolescente problemática em busca do seu irmão desaparecido. Tracey, a sobreviver num lar disfuncional, acossada e humilhada na escola por ser baixa e não ter seios, obrigada a consultar um psiquiatra, tem um irmão que julga ser um cão e certa tarde regressa a casa com apenas o gorro dele. É um relato de desespero na primeira pessoa, confuso mas incisivo, com explicações que tardam mas não faltam. Ellen Page, entre o anjo vingativo de Hard Candy e a simpática adolescente grávida de Juno, é consistente na sua ilustração da jovem Tracey, mas o único pecado do filme é ter pouca carne a que se agarrar. Apesar de ter apenas 77 minutos de duração, até isso é tempo a mais para uma história tão curta. Caso típico de predominância formal, Os Fragmentos de Tracey subsiste como uma curiosa surpresa visual e uma abordagem rara a um drama constrangedor.

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