domingo, 6 de abril de 2008

Zidane, Um Retrato para o Sec.XXI - Douglas Gordon & Philippe Parreno (10 Abril, 21h30m, AMAC)



Zidane, o retrato do artista


Zidane visto de perto
Os artistas conceptuais Douglas Gordon e Philippe Parreno usaram 17 câmaras de 35 mm espalhadas por todo o relvado e focadas somente em Zidane. As imagens foram editadas e o som remisturado. Microfones direccionais puderam captar e isolar sons distintos, tais como Zidane a respirar, a cuspir para o chão ou mesmo a puxar as meias para cima. O francês não é o mais comunicativo dos futebolistas e, excepto quando discute com o árbitro por este ter assinalado uma grande penalidade a favor do Villarreal, o vocabulário aplicado limitou-se ao “Hey!”, quando pretendia a bola ou a “Davide”, quando queria atrair a atenção de Beckham.
Momento evocativo
Essa grande penalidade é uma das cenas mais evocativas do filme; os assobios ensurdecedores da multidão são, de repente, silenciados e vemos Zidane a observar a transformação do castigo máximo. Depois, surge o som dos jogadores do Villarreal a correrem na direcção do jogador que converteu a falta, os seus pés a pisarem a relva como o trovão de um conjunto de cavalos a galopar. Podemos ver os futebolistas do Villarreal aos saltos, à frente de Zidane, com a imagem inteiramente focada no gaulês, que permanece apático.
Personagem secundária
Durante todo o filme, Zidane não patenteia qualquer expressão facial, mostrando-se totalmente concentrado. A determinada altura, partilha uma anedota com Roberto Carlos, mas o espectador fica sem saber no que consta a piada. O que mais salta à vista é a escassa participação activa de Zidane no jogo. Durante a maior parte do encontro, o gaulês parece uma personagem secundária. Contudo, quando é chamado a intervir, fá-lo de forma dramaticamente decisiva, rompendo até à área para fabricar o golo do empate do Real Madrid. Com todo o propósito, o subtítulo do filme é “Um passeio pelo parque”.
Cai o pano
Ao intervalo, há uma tentativa de contextualização do encontro com imagens de notícias de todo o Mundo sobre acontecimentos que tiveram lugar no mesmo dia. O fim de uma conferência internacional em Kuala Lumpur, uma bomba que explode à beira da estrada em Najaf, no Iraque. Uma das pessoas que acorre aos feridos dessa explosão enverga uma camisola de Zidane, o que diz bem do seu estatuto de ícone planetário. Zidane é, agora, mais lembrado pela sua cabeçada em Marco Materazzi na final do Mundial de 2006. No filme voltamos a ver o lado violento de Zidane, pois a película termina com o francês a descer o túnel em direcção aos balneários, depois de ter sido expulso por se envolver numa picardia com um jogador adversário. Um acto que nos remete para o que aconteceu em Julho passado, em Berlim. Parece não ter sido provocado. Vemos tudo o que Zidane fez até ao seu ataque ao futebolista do Villarreal, mas, tal como o incidente com Materazzi, não se percebe claramente o que provocou tudo isso.
Paradoxo
E esse é o paradoxo central do filme. Apesar de termos seguido todas as movimentações e reacções de Zidane ao longo da acção, no final não ficamos mais próximo de compreender o francês do que estaríamos no princípio da película. Ele continua a ser um enigma. Gordon e Parreno correram alguns riscos ao rodarem este filme: eles nem sabiam mesmo onde podiam colocar as câmaras até meia-hora antes do início da partida. Todo o encontro foi filmado em tempo real, pelo que não há cenas repetidas - são únicas. Nesse sentido, Zidane é o personagem principal de um verdadeiro filme experimental, mas uma experiência que resultou em pleno de forma espantosa.
Génio
A determinada altura passa no fundo do ecrã uma citação de Zidane. Ele diz que, às vezes, não vive os encontros em tempo real, mas, mais retrospectivamente, como memórias. Em vários aspectos, ver "Zidane - Um Retrato do Séc. XXI" é uma vivência semelhante. Não entendemos por completo o que se está a passar no filme, pois não temos a vantagem da perspectiva mais global de todo o encontro. Afinal de contas, não estamos nem perto de entender a natureza do génio do protagonista. Todavia, se reflectirmos um pouco, compreendemos por completo que o termo, por vezes utilizado tão erroneamente, se aplica por inteiro a Zidane.

Texto de Simon Banks em http://pt.uefa.com

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