Diga um nome de um realizador e ele estará aqui, em CADA UM O SEU CINEMA. Encomenda do Festival de Cannes ao “who’s who” cinematográfico, é composta por 33 pequenos filmes que descrevem uma experiência cinematográfica. Manoel de Oliveira também fez um.
Há muitos cinemas ao ar livre, cegos que vêem filmes – isto é: que não precisam de olhos para sentir os filmes –, há “cinemas paraíso”da infância, homenagens a Fellini, Robert Bresson, Godard. E salas, abandonadas, que já foram arenas da catarse colectiva. É como se se dissesse: “Ah, o cinema!”
Alguns dos episódios do filme colectivo CADA UM O SEU CINEMA têm mesmo a cara dos realizadores que os fazem. Literalmente. Nanni Moretti: sozinho numa sala, faz o seu diário de espectador, e isso leva-o a aproximar-se do habitual registo de fúria (para falar dos pés de Michelle Pfeiffer em What Lies Beneath, do momento em que Rocky levou os braços ao ar em Rocky Balboa, do momento em que o filho de dois anos lhe pediu para irem ver Matrix 2.)
Lars von Trier: estilhaça com um martelo a cabeça de um espectador que não pára de falar na sala escura. Nostálgico Lars não é. Eis como a experiência colectiva pode, afinal, ser um problema.
Takeshi Kitano: sala vazia, só com um espectador, no ecrã um filme, Kids Return, a película sempre a partir-se ou a queimar. O projeccionista deste exercício de humor afiado é o próprio Kitano.
Os irmãos Coen não aparecem, mas às primeiras imagens o seu episódio é reconhecível (pode- se, aliás, fazer um exercício ao longo das duas horas de CADA UM O SEU CINEMA: adivinhar a quem pertence cada pequeno filme). Nele, um cowboy, no desolado Oeste, aventura-se pela cinefilia, ainda por cima em língua estrangeira. Não sabe o que há-de ver, se A regra do jogo, do francês Jean Renoir, ou se Climas, do turco Nuri Bylge Ceylan. Que aconselhariam?
“Filmes dentro de filmes” é o que mais há neste projecto, encomenda do festival a toda a gente que é alguém da família do cinema. Cannes reivindica-se como espaço natural para todos eles. São mais de 30 realizadores, contam em poucos minutos o que sentem como experiência cinematográfica.
Diga então o nome de um cineasta, e ele provavelmente estará aqui: Gus Van Sant, Chen Kaige, Hou Hsiao-Hsien, Angelopoulos (homenagem a Marcello Mastroianni), Michael Cimino, Wim Wenders, Tsai Ming-liang, Abbas Kiarostami, Jane Campion...
Numa sala escura, a mão de um ladrão de carteiras é aproveitada, por aquela que ia ser a vítima, como acalmia de um desejo intenso – belíssimo episódio dos belgas Jean Pierre e Luc Dardenne. Roman Polanski põe um homem a arfar violentamente quando vê o erótico Emmanuelle – é tudo dores, acabou de cair do balcão.
O mais aplaudido: E um encontro entre o camarada Nikita Krutstchev e o (camarada?) Papa João XXIII? Manoel de Oliveira filmou Nikita (Michel Piccolli) e o papa ( João Bénard da Costa) a compararem o que têm em comum: as barrigas, a necessidade de comer. Como um filme mudo, e serenamente libertário.
Palmas, e standing ovation para Oliveira da parte dos seus colegas quando entrou na sala de conferência de imprensa.
O episódio mais aplaudido: o do brasileiro Walter Salles, contagiante batucada, em frente a um cinema no sertão brasileiro, que passa “Os 400 golpes”, de Truffaut. Os batuqueiros cantam tudo o que sabem de Cannes, e sabem tudo desse filme... por causa da Net. Salles dizia que assim quis mostrar que a experiência que o continua a interessar é ver cinema numa sala, não num telemóvel. O rosto de David Cronenberg não mostrou sinais de expressão quando Salles falou. Gostaríamos de saber o que ele pensa. Ele que é autor de um episódio que (não é possível ter a certeza) deverá contar a seguinte história: um homem, “o último judeu na terra” (o próprio Cronenberg), está numa casa de banho, o sítio para onde retrocedeu essa coisa a que se chama “experiência de cinema”. O homem suicida-se. Aceitar-se-iam hipóteses de interpretação, mas Cronenberg deu-as a seguir ao filme: “O meu episódio é sombrio? Não sei. O cinema, tal como nós o conhecemos e amamos, já não existe, já é coisa do passado. O cinema se calhar já não está aqui”.
Há muitos cinemas ao ar livre, cegos que vêem filmes – isto é: que não precisam de olhos para sentir os filmes –, há “cinemas paraíso”da infância, homenagens a Fellini, Robert Bresson, Godard. E salas, abandonadas, que já foram arenas da catarse colectiva. É como se se dissesse: “Ah, o cinema!”
Alguns dos episódios do filme colectivo CADA UM O SEU CINEMA têm mesmo a cara dos realizadores que os fazem. Literalmente. Nanni Moretti: sozinho numa sala, faz o seu diário de espectador, e isso leva-o a aproximar-se do habitual registo de fúria (para falar dos pés de Michelle Pfeiffer em What Lies Beneath, do momento em que Rocky levou os braços ao ar em Rocky Balboa, do momento em que o filho de dois anos lhe pediu para irem ver Matrix 2.)
Lars von Trier: estilhaça com um martelo a cabeça de um espectador que não pára de falar na sala escura. Nostálgico Lars não é. Eis como a experiência colectiva pode, afinal, ser um problema.
Takeshi Kitano: sala vazia, só com um espectador, no ecrã um filme, Kids Return, a película sempre a partir-se ou a queimar. O projeccionista deste exercício de humor afiado é o próprio Kitano.
Os irmãos Coen não aparecem, mas às primeiras imagens o seu episódio é reconhecível (pode- se, aliás, fazer um exercício ao longo das duas horas de CADA UM O SEU CINEMA: adivinhar a quem pertence cada pequeno filme). Nele, um cowboy, no desolado Oeste, aventura-se pela cinefilia, ainda por cima em língua estrangeira. Não sabe o que há-de ver, se A regra do jogo, do francês Jean Renoir, ou se Climas, do turco Nuri Bylge Ceylan. Que aconselhariam?
“Filmes dentro de filmes” é o que mais há neste projecto, encomenda do festival a toda a gente que é alguém da família do cinema. Cannes reivindica-se como espaço natural para todos eles. São mais de 30 realizadores, contam em poucos minutos o que sentem como experiência cinematográfica.
Diga então o nome de um cineasta, e ele provavelmente estará aqui: Gus Van Sant, Chen Kaige, Hou Hsiao-Hsien, Angelopoulos (homenagem a Marcello Mastroianni), Michael Cimino, Wim Wenders, Tsai Ming-liang, Abbas Kiarostami, Jane Campion...
Numa sala escura, a mão de um ladrão de carteiras é aproveitada, por aquela que ia ser a vítima, como acalmia de um desejo intenso – belíssimo episódio dos belgas Jean Pierre e Luc Dardenne. Roman Polanski põe um homem a arfar violentamente quando vê o erótico Emmanuelle – é tudo dores, acabou de cair do balcão.
O mais aplaudido: E um encontro entre o camarada Nikita Krutstchev e o (camarada?) Papa João XXIII? Manoel de Oliveira filmou Nikita (Michel Piccolli) e o papa ( João Bénard da Costa) a compararem o que têm em comum: as barrigas, a necessidade de comer. Como um filme mudo, e serenamente libertário.
Palmas, e standing ovation para Oliveira da parte dos seus colegas quando entrou na sala de conferência de imprensa.
O episódio mais aplaudido: o do brasileiro Walter Salles, contagiante batucada, em frente a um cinema no sertão brasileiro, que passa “Os 400 golpes”, de Truffaut. Os batuqueiros cantam tudo o que sabem de Cannes, e sabem tudo desse filme... por causa da Net. Salles dizia que assim quis mostrar que a experiência que o continua a interessar é ver cinema numa sala, não num telemóvel. O rosto de David Cronenberg não mostrou sinais de expressão quando Salles falou. Gostaríamos de saber o que ele pensa. Ele que é autor de um episódio que (não é possível ter a certeza) deverá contar a seguinte história: um homem, “o último judeu na terra” (o próprio Cronenberg), está numa casa de banho, o sítio para onde retrocedeu essa coisa a que se chama “experiência de cinema”. O homem suicida-se. Aceitar-se-iam hipóteses de interpretação, mas Cronenberg deu-as a seguir ao filme: “O meu episódio é sombrio? Não sei. O cinema, tal como nós o conhecemos e amamos, já não existe, já é coisa do passado. O cinema se calhar já não está aqui”.
Texto de Vasco Câmara
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