domingo, 1 de março de 2009

Caos Calmo - Antonio Luigi Grimaldi (5 Março, 21h30, AMAC)


Ficha Técnica

Título Original: Caos Calmo
Realizador: Antonio Luigi Grimaldi
Ano: 2008
País: Itália / Reino Unido
Duração: 105 min.
Classificação: M/16
Sites: IMDB | PTGate

Crítica

(...) saiba que foi efémera a carreira deste belíssimo filme de Nanni Moretti junto do público nacional. E dizemo-lo assim, filme de Nanni Moretti, com o intuito de espicaçar os mais atentos. Caos Calmo é a adaptação ao cinema do livro homónimo de Sandro Veronesi, entretanto editado entre nós pela Asa. Moretti leu, gostou e reviu-se na personagem de Pietro Paladini, homem de negócios e de sucessos a quem a tragédia familiar bate à porta sem imaginar que ele tenha o desplante de mandá-la embora.

Decidido que estava a interpretar Caos Calmo, mas sem ganas de realizar a fita, Moretti chamou Antonio Luigi Grimaldi para dirigir. É preciso dizê-lo, porque é verdade, mas não frisá-lo. Porque Caos Calmos é, será, hoje e para sempre, um filme incontornável na cinematografia de Nanni Moretti. Que também participou na adaptação do texto, contando com a ajuda de Francesco Piccolo, com quem já trabalhara em O Caimão. E, porque ainda não lemos o livro, adivinhamos que aqui, na adaptação, se terá semeado o que faltava para que do solo fértil da persona Pietro Paladini crescesse, com a força de mil pinheiros, mais uma composição do actor Moretti.

Há em Caos Calmo muito do que reconhecemos na obra do realizador de O Quarto do Filho e Querido Diário – e aqui recusamo-nos a nomear tais características com mais um adjectivo terminado em –iano, facilitismo agora, e ao que parece, aplicado a todo e qualquer escritor, realizador, músico com mais de duas obras vagamente semelhantes. Adiante.

A perda como temática do filme remete exactamente para esse O Quarto do Filho, história de um pai que vê morrer a cria e que aprende a viver na sua ausência. Agora, em Caos Calmo, Moretti é um viúvo apanhado de surpresa, um marido que parece indiferente ao desaparecimento da mulher, um progenitor que se agarra à filha (Blu Di Martino) e ao espaço que a rodeia como raízes à terra. Depois, nos diálogos, no profundo humanismo, na construção das personagens, na ausência de escusados malabarismo técnicos, no baixo orçamento… Caos Calmo, apesar da supreendente banda sonora, é positivamente semelhante ao que conhecemos de Moretti.

A maior identificação entre a fita e o universo do cineasta romano é talvez a que não pode traduzir-se em palavras, porque existe e só existe nos seus filmes – e no estômago cerebral dos que os vemos. Falamos de uma vaga sensação de estranheza, desconforto e beleza. Falamos de olhos molhados e peito apertado, como se Moretti adivinhasse o que sentimos, o que andamos para dizer faz tempo e o servisse assim: igual para todos, diferente para cada um.

E esta é a segunda urgência de escrever sobre Caos Calmo: é um desses raros filmes que nos envolvem e sufocam e contribuem para a restauração do cinema enquanto arte e para a salvação da sala de projecção enquanto espaço que vale a pena pagar e frequentar. E Moretti é, para os que amam o bom cinema narrativo, um dos messias da cena actual.

Compararam-no a Woody Allen, por ocasião da estreia desta fita sobre um tipo que passa os dias diante do jardim da escola da filha, observando, parado, os mimetismos das vidas que por ali se cruzam. Um homem que faz o seu escritório entre duas árvores, que almoça entre duas árvores, que dá e recebe abraços e sentimentos (e Roman Polanksi…) entre duas ávores. E, se lembrarmos não tanto quem é mas principalmente quem foi Allen enquanto realizador (e especialmente enquanto actor), a relação aceita-se.

Como actores, Allen (lembremos, por exemplo, Ana e as Suas Irmãs) e Moretti têm um registo muito particular e facilmente jogado no mesmo saco: fazem de Allen e Moretti como ninguém. Insuficiente? Não achamos. Só que, apesar de bastas vezes autobiográfico, o trabalho dos dois cineastas – e se abrirmos um parênteses sobre O Caimão, com o qual até poderia traçar-se uma arriscada linha directa ao Hollywood Endind de Allen, apesar de mais político o primeiro, mais humorístico o segundo – Moretti está como que a pisar caminhos que o nova-iorquino parece ter abandonado. Caminhos como os de Another Woman.

Quando vemos Scoop, o recente Vicky Cristina Barcelona ou mesmo o melhor Match Point, percebemos um realizador ainda e sempre fascinado com as teias amorosas mas distanciado das pessoas e das histórias das pessoas que compõem o nosso quotidiano. Por estes dias Allen é uma passagem de avião, Moretti uma bilhete de autocarro. E não é que dispensemos o longe e a vertigem, mas gostamos que primeiro nos despertem para o que temos diante dos olhos.

Regressando a Caos Calmo e à já famosa cena em que Moretti come Isabella Ferrari enquanto a filha dorme alguns quartos ao lado, não percebemos o ataque pudico de tanta sociedade civil. Afinal, poucos são os bons dramas que ainda por cima nos conseguem dar uns minutos de tesão.
Meses atrás, quando o blogger e crítico de cinema do Diário de Notícias João Lopes viu, em Cannes, A Troca, fita de Clint Eastwood, escreveu assim: «Se me perguntarem, hoje, qual é o mais belo filme do mundo, eu respondo: The Exchange, de Clint Eastwood, com Angelina Jolie.» A essa pergunta responderíamos hoje, sem hesitar, Caos Calmo, de António Luigi Grimaldi, com Nanni Moretti.

Hélder Beja, Rascunho

Sem comentários: