sexta-feira, 23 de maio de 2008

Eraserhead - David Lynch (29 Maio, 21h30m, AMAC)



David Lynch, sobre "Eraserhead"

«Um sonho obscuro e perturbador.»

«O filme é uma corrente do subconsciente. Tem um significado específico para mim mas não quero falar sobre isso. O melhor de tudo é que significa várias coisas para as diferentes pessoas.»

«Em Eraserhead existem muitos caminhos para explorar as diversas áreas. São mais ou menos como regras que permitem criar um sentido mais amplo. É como um poema… mais abstracto, embora tenha uma história. É, sobretudo, uma experiência.» «As ideias nascem de diferentes níveis e algures lá dentro aparece o Henry. É difícil dizer que tenha uma filosofia. Para mim, tudo faz sentido. Para mim, Eraserhead tem uma lógica, é real, tem regras que foram seguidas e um certo sentimento condutor. A sintonia existe logo desde o início do filme. Faz sentido e parece-me certo que assim seja."

Críticas

«(…) o estilo de Lynch começou neste filme, primeira afirmação de um dos imaginários mais poderosos da história do cinema. »
João Bénard da Costa, Vida, 1994

«(…) “Eraserhead” é uma obra-prima absoluta, um caso extraordinário de adequação às limitações de produção, uma introdução preciosa a todas as obras posteriores de Lynch (…)»
Mário Jorge Torres, Público, 8 Julho 1994

«Diremos então, com a objectividade irónica a que o cinema de Lynch sempre nos convida, que “Eraserhead”, expressão de uma vanguarda selvagem que Lynch pode personificar como ninguém, acaba por ser também um filme da mais apaixonada devolução do cinema à sua vocação mais remota: a de ser o veículo, espelho e máscara do que escapa à percepção corrente, expondo cada segmento de realidade como uma paisagem dilacerada pelas imagens (e sons) dos sonhos, incessantemente assombrada pelo labor de metódicos pesadelos.»
João Lopes, Expresso

«Eraserhead é um filme que nos leva de imediato a um estado quase hipnótico.»
Agnès Bert, Études, November 1994

«Um filme tão rico em imagens surreais que as possibilidades de interpretação são quase infinitas. Um conjunto de ideias no seu estado mais puro que teve sérias repercussões nos filmes posteriores.» Almar Haflidason, BBC, jan 2001 «Surpreende pelos seus cenários e fotografia expressionistas, pela sinistra banda sonora e por uma persistente fluência imaginativa.»
Time Out, New York

Entrevista (excerto)

(...) o filme não foi inspirado na sua vida? Se é sobre a minha vida, eu n vejo isso. Estava escondido cá dentro e apareceu sob a forma de uma ideia. Não sei de onde vem. Quando vi pela primeira vez Nova Iorque e Filadélfia, o impacto foi grande porque contrastavam com o sítio onde passei a minha infância. Foi muito forte, vi tudo e senti um medo gigantesco... as coisas que via eram tão diferentes que foi como estar noutro mundo.

A sexualidade está muito patente em Eraserhead... Acho que é mais um medo da procriação, da responsabilidade. O Mel Brooks disse-me que viu em Eraserhead um enorme medo da responsabilidade.

O medo de se tornar adulto... Sim, pode dizer-se que sim. Eu nunca analiso muito as coisas. Deixo-me levar pelos sentimentos. Tudo tem uma espécie de lógica particular.

Acha que estar num sítio como Filadélfia, enquanto se chega à idade adulta, influenciou Eraserhead como o seu filme? De certeza. Tudo anda à nossa volta e surge de acordo com o nosso próprio filtro, do que pensamos e somos. É por esta razão que o resultado das coisas é tão diferente, porque sai de dentro de cada um.

Qual é o processo de criação de tudo isto? Há uma ideia original algures que é uma espécie de íman e que atrai todas as outras ideias que se lhe associam - como um sistema solar. Todas elas orbitam à volta deste sol, que é a ideia original, e geram um sistema complexo. Outras coisas passam por ele mas não se encaixam. Por isto é que Eraserhead é um filme puro, embora não seja normal ou explicável, segue determinadas regras. Pode sentir-se uma honestidade e uma lógica. É um esforço de concentração muito grande... agarrar as ideias não é fácil porque elas podem estar tão escondidas que quase não as vemos. Desaparecem, se não as agarrarmos e olharmos atentamente para elas. A primeira impressão deve guardar-se antes de desaparecer porque é aí que reside o verdadeiro poder da ideia. Contudo, não se deve pensar e analisar demais. No fim, tudo parece mágico e tão poderoso, sem ser pensado.

Escreveu um guião para Eraserhead? Sim. Com vinte páginas. Não era um guião convencional. Era mais uma espécie de diagrama para me lembrar de fazer certas coisas. Não podia ser de outra forma. Há muitas coisas no filme que não podem ser escritas e, quando se força isso, acaba por fazer-se um tipo de filme diferente.

Como começou a preparar o filme? Procurei as pessoas. Começamos por construir os cenários e adereços, a tratar da roupa do Henry... a fazer tudo.

Houve improviso? Não. Não sou contra o improviso mas acho que improvisar implica não saber muito bem o que se quer. É andar ali à volta até encontrar algo de que se goste.

Improvisar é controlar pouco? Sim. Muito pouco. Uma cena influencia tudo o que lhe sucede. Dessa maneira nunca saberia qual o rumo que o filme estaria a seguir. A única coisa que mudou no filme foi a Mulher no Radiador, que não entrava na ideia original.

De onde apareceu ela? Não sei mas ela é a luz na vida de Henry. Já tínhamos filmado o radiador quando eu tive esta ideia e voltei atrás... e ali estava, aquele pequeno buraco no radiador, o sítio perfeito para ela viver. A ideia encaixou na perfeição.

Visual ou verabalmente? Mais visual. É muito difícil escrever um guião. Já escrevi vários mas não sou escritor. É estranho ter de apontar as coisas... um filme é muito mais do que palavras. É som, imagem e sequência. Gostava que houvesse uma forma mais simbólica, um sistema de representação melhor.

Agora que está ligado a um estúdio acha que ainda pode fazer filmes que o realizem pessoalmente? Sim, claro. Futuramente quero fazer mais filmes abstractos e absurdos porque ainda tenho ideias em bruto. Mas agora tenho de as guardar e esperar pela altura certa. Até em Elephant Man havia coisas abstractas e agora no Dune há coisas em cinema fantásticas às quais estou a habituar-me.

Esses impulsos não causam um conflito? Não. Há uma forma mais comercial de imagem que é muito poderosa e que possui todos os ingredientes que eu adoro. Dune tem esses ingredientes. O pensamento não é restringido. Há limitações financeiras... porque as coisas custam muito dinheiro. Mas isso acontece em todos os filmes.

Porquê este fascínio pelas máquinas? Adoro fábricas, a indústria, caminhos-de-ferro, tudo o que seja industrial. Adoro entrar neste mundo que só existe nas nossas mentes.

Tanto em Eraserhead como em Elephant Man há uma visão quase maléfica e ameaçadora das máquinas. Contudo, diz que adora este mundo. Na minha mente, gosto de estar lá. É muito assustador enquanto real, por isso só podemos entrar lá estando dentro de um filme. Gosto de lugares claros e limpos na minha vida mas, quando me sento e começo a pensar, posso ir a Filadélfia. É como olhar para dentro, sabendo que podemos sair se as coisas se tornarem demasiado intensas. Sentimo-nos mais confortáveis e felizes, e podemos assim pensar noutras coisas e concentrarmo-nos nas ideias. Se estamos miseráveis, não podemos criar.

Biografia
David Keith Lynch nasceu a 20 de Janeiro de 1946 em Missoula, Montana. Reconhecido maioritariamente pelo seu trabalho no cinema, Lynch é também autor de inúmeras obras em áreas tão distintas como a pintura, desenho, animação e música.
As suas criações ganharam uma designação muito particular. O universo de Lynch tornou-se sinónimo de uma construção por vezes absurda e surreal, profundamente marcada por imagens carregadas de significado. A sua primeira longa-metragem, "Eraserhead" nasceu de cinco longos anos de trabalho obsessivo. Apesar de não ter sido aclamado pela crítica, o filme chamou a atenção do público menos mainstream, por toda a estranheza que rodeia a acção. O reconhecimento chegou com “The Elephant Man” (1980), um filme que realizou a convite de Mel Brooks e que foi nomeado para oito Óscares. Depois de Dune (1984) e Blue Velvet (1986), Lynch criou Twin Peaks (em colaboração com Mark Frost), uma das mais brilhantes séries de televisão de sempre, que rapidamente atingiu o estatuto de série de culto.
Foi nomeado três vezes para o Óscar de melhor realizador com The Elephant Man (1980), Blue Velvet (1986) e Mulholland Drive (2001). Em Cannes, recebeu a Palma de Ouro por Coração Selvagem (1990) e o prémio de melhor realizador por Mulholland Drive (2001). Em 2006 a sua carreira foi distinguida com o Leão de Ouro do Festival de Veneza
Até hoje David Lynch nunca cessou de desconstruir os moldes do cinema convencional e de criar universos de sonho e abstracção, abertos a infinitas possibilidades interpretativas. Uma construção aparentemente ilógica para os que nela buscam um sentido coerente ou estanque. A sua última longa-metragem, INLAND EMPIRE, flui mais uma vez como uma corrente de imagens, aparentemente desprovida de um fio condutor. Segundo as palavras do próprio realizador, quando questionado sobre as suas obras, "A vida é muito, muito confusa, e os filmes devem poder sê-lo também."

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